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Lei n°13.097/2015 e seus reflexos na realização de auditoria jurídica para aquisição de bens imóveis

Por Edlane Oliveira Paiva (e.paiva@tcsa.adv.br)


Na tentativa de pôr fim às inúmeras e tortuosas questões envolvendo a aquisição de bens imóveis no Brasil, especialmente às cautelas que devem ser tomadas pelo comprador visando precaver-se dos riscos de caracterização de vícios do negócio jurídico, assim entendidos a fraude à execução e contra credores, o artigo 54 da Lei n°13.097/2015 firmou no ordenamento jurídico a concentração dos atos na matrícula do imóvel.

Pelo citado artigo, em resumo, não poderão ser opostas ao adquirente de boa-fé, ressalvados os casos previstos na própria Lei n°13.097/15, situações jurídicas não constantes da matrícula do imóvel, inclusive para fins de evicção. O primeiro questionamento que surge é: o artigo 54 da lei em comento autoriza a dispensa pelo adquirente das certidões de feitos ajuizados em face do alienante? Não parece que a resposta a esta pergunta deva ser, por hora, afirmativa. Para tanto, cabe aqui relembrar brevemente o contexto no qual as negociações imobiliárias se davam até a publicação do citado texto legal.

Antes da entrada em vigor do referido artigo de lei, o entendimento majoritário, privilegiando o princípio da boa-fé objetiva - que impõe às partes o dever de diligência e mútua cooperação, orientava pela obtenção e análise prévias das certidões de feitos ajuizados em face do alienante, quer porque até então a Lei n°7.433/85 assim o exigia, quer porque para muitos dentro do próprio judiciário, a edição da Súmula 3751 pelo STJ não chancelou esta dispensa, uma vez que o adquirente, ao deixar de emitir tais certidões, estaria negligenciado as condições de saber dos feitos distribuídos em face do vendedor, e, portanto, sua boa-fé poderia ser questionada.

Assim, o mercado imobiliário, frente às inúmeras discussões envolvendo a Súmula 375, não deixou de recomendar a emissão das certidões forenses em face dos vendedores, e assim o fez visando mitigar os riscos de litígio envolvendo o bem transacionado, principalmente na Justiça do Trabalho.

Não obstante, mesmo após a edição da Súmula 375, o STJ continuou a enfrentar a matéria, acerca de quais seriam os requisitos para caracterização de fraude à execução, o que culminou com o julgamento do RESP 956.943/PR, afetado como repetitivo. Pelo julgamento deste recurso, o STJ reafirmou a aplicabilidade da súmula 375, traçando as premissas para caracterização de fraude à execução na alienação de bens imóveis, reforçando, dentre outros requisitos que, inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, §4º, do CPC2.

De um lado nota-se que o STJ, assim como a Lei n° 13.097/15, privilegiou o princípio da concentração dos atos na matrícula quando entendeu demasiado o ônus de impor ao adquirente a obtenção das certidões forenses em nome do vendedor em diversas comarcas, apenando com a inversão do ônus da prova o credor descuidado, ou seja, aquele que deixou de registrar junto à matrícula a existência do gravame.

Arrematando esta ideia, em voto proferido nos autos do Resp 956.943/PR, o Ministro João Otávio de Noronha, citando o Ministro Cesar Asfor Rocha no Resp n° 113.871⁄DF, afirmou que “...não havendo, no cartório imobiliário, nenhum registro da existência da ação, não se pode imputar ao adquirente nenhuma obrigação de ter ciência desse fato, sendo até impossível disso com segurança ele saber (salvo se obtivesse certidões negativas de todos os cartórios de distribuição por esse Brasil afora), por isso mesmo que não lhe cabe provar a sua ignorância quanto a tanto, pois a sua boa-fé, que é presumida, há de ser preservada, até prova em contrário” (grifamos).

Por outro lado, é preciso lembrar que a Lei n° 13.097/15 excetua situações que não gozariam da proteção dada pelo artigo 54, dentre elas (i) a própria ausência de boa-fé do adquirente (situação esta também abarcada pela Súmula 375), bem como (ii) as situações de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel, assim entendidos os institutos da usucapião e desapropriação, situações estas que, por cautela, demandariam a emissão da certidão dos feitos cíveis em face do vendedor.

Neste sentido, requerendo o adquirente a certidão de feitos cíveis em nome do vendedor (de modo a identificar eventuais ações de usucapião e desapropriação que envolvam o bem), poderia ele alegar desconhecimento das demais demandas distribuídas em face do pesquisado, constantes desta certidão? Parece-nos que não. Não podendo neste contexto o adquirente alegar desconhecimento de demais demandas cíveis distribuídas em face do alienante, estaria ele ainda assim protegido pela blindagem do artigo 54?

Ademais, ainda é incerto como os Tribunais irradiarão a decisão proferida nos autos do RESP 956.943/PR, assim como não há tendência identificada de como a Lei n° 13.097/15 será recebida pela justiça trabalhista; os juízes trabalhistas, mesmo diante de crédito de natureza alimentar, aplicarão referida lei?

Com isso, é razoável sustentar que, a julgar pelo histórico de resistência à aplicação da sumula 375, a lei em comento poderá não ter boa acolhida.

Indício disso é que, no que tange ao crédito fiscal, a própria Lei n° 13.097/15 cuidou de garantir a necessidade de obtenção das respectivas certidões, vez que o artigo 59 assegurou que o Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição (grifamos).

Como se vê, a Lei n° 13.097/15 não encerrou a necessidade de obtenção das certidões forenses em face do vendedor. Frisa-se que as auditorias jurídicas realizadas para aquisição de bem imóvel não se restringem apenas à verificação dos vícios sociais, mas se pode afirmar que são eles a causa de maior insegurança jurídica em negócios desta natureza.

Neste sentido, até que se consiga obter um panorama claro de como os Tribunais irão irradiar os efeitos do julgamento do RESP 956.943/PR e da Lei n° 130.97/15, não é recomendável uma mudança de padrão no estudo da documentação imobiliária, que hoje orienta pela obtenção das certidões forenses em nome do vendedor na comarca de domicílio do alienante e na de situação do imóvel.

1 Súmula 375/STJ: O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

2Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios.

§ 4o A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4o), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.

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